A cidade de Lisboa assume uma posição singular na organização e no funcionamento do sistema socioeconómico de base territorial que a Área Metropolitana de Lisboa (AML) constitui.
A situação e a evolução da AML são indissociáveis de um contexto geral fortemente influenciado pelas características da integração capitalista europeia, pelo funcionamento e aprofundamento do Mercado Único e da União Económica e Monetária, pelas políticas económicas e territoriais de matriz neoliberal que a União Europeia tem vindo a promover e a consolidar.
Ainda que com uma posição periférica face aos países e às grandes cidades do centro europeu, a AML afirma-se, no quadro nacional, como o espaço urbano fundamental de ligação aos processos de reorganização económica, territorial e urbana que a União Europeia tem impulsionado nas últimas décadas. Não deixando de ostentar algumas das feridas e das cicatrizes provocadas por essa reorganização.
Correspondendo a 3,4% da área do território continental, tem 29% da população e totaliza 32% do emprego, 38% do PIB, 45% dos trabalhadores com formação académica, 61% do volume de negócios registado nos estabelecimentos de consultoria, 63% do emprego na banca e seguros (dados de 2017).
A AML evidencia as profundas disparidades regionais que caracterizam a organização territorial da economia e da produção nacional. Dentro da AML, a cidade de Lisboa expressa um segundo nível de desequilíbrio territorial.
A compreensão do posicionamento específico de Lisboa no quadro metropolitano ficará diminuída se não identificarmos e interpretarmos, com rigor, as funções, designadamente económicas e institucionais, que a cidade vem assumindo e desempenhando neste enquadramento.
A cidade de Lisboa tem 18% da população da área metropolitana. Mas concentra 40% do emprego total e perto de 60% do emprego com qualificações académicas. Se olharmos a alguns sectores económicos específicos, Lisboa concentra 54% do emprego em consultoria e 68% do volume de negócios do sector. Concentra mais de 75% do total do emprego na banca e seguros, aos quais corresponde 78% dos salários neste sector.
Lisboa não é apenas o grande polo de concentração de emprego. É também, e fundamentalmente, o polo de elevada concentração espacial de sectores integrados na economia da financeirização da produção e da valorização do capital: a banca, os seguros, a consultoria económica e de gestão, a advocacia, o imobiliário. É a cidade fundamental de ligação dos processos de integração financeira da economia portuguesa com os centros de poder económico e financeiros europeus. Esta sua condição tem custos sociais de enorme dimensão. Sendo a cidade do poder económico e financeiro, Lisboa é também o município da AML com as maiores disparidades de rendimentos. Por um lado, concentra os mais ricos dos mais ricos da área metropolitana. Por outro lado, concentra os mais pobres dos mais pobres.
O nível de desequilíbrios territoriais na organização da produção e do emprego, expresso na macrocefalia apresentada pela cidade de Lisboa, na polarização territorial do emprego, na concentração de atividades geradoras de elevados rendimentos e de elevadas produtividades, tem um impacto fortíssimo ao nível do preço do solo e do imobiliário.
Cria-se um círculo vicioso que condiciona, e no limite impede, o desenvolvimento equilibrado da base produtiva da cidade.
Vejamos. A polarização de funções superiores, a concentração de determinado tipo de emprego, leva à geração de elevados rendimentos e produtividades no espaço da cidade, o que induz o aumento significativo do preço do solo, o que, por sua vez, provoca a expulsão da cidade das famílias de baixos e médios rendimentos, assim como das atividades económicas incapazes de suportar esse crescente preço do solo. Em resultado disso, limita-se crescentemente a localização na cidade às funções superiores, a um determinado tipo de emprego, o que acentua a espiral especulativa sobre o preço do solo, o disparar das rendas, do preço da habitação e por aí adiante.
No caso de Lisboa, esta dinâmica foi agravada, na última década, pela prevalência de opções no domínio do planeamento urbanístico que favoreceram a liberalização dos usos do solo na cidade, deixando nas mãos do mercado todo o seu desenvolvimento.
Na vigência das atuais opções de governo da cidade e na ausência de políticas de ordenamento do território metropolitano, tem sido o funcionamento deste círculo vicioso que tem conduzido à desarticulação da organização territorial da economia metropolitana e da qual têm resultado elevados níveis de ineficiência coletiva, com brutais custos sociais e económicos, mas também com brutais custos ambientais e para a qualidade de vida das populações.
Perante este cenário, o reforço das políticas de ordenamento do território no espaço metropolitano ganha uma importância central, se o que queremos é um desenvolvimento mais equilibrado do conjunto da área metropolitana, com mais coesão económica, social e territorial. O que não dispensa, também, uma relação mais equilibrada desta com o resto do país.
A cidade de Lisboa só tem a ganhar com este maior equilíbrio, com mais coesão no seio da AML. O caminho a percorrer deve apontar a um desenvolvimento mais policêntrico. As grandes opções de investimento público com impacto estruturante no território devem ser concebidas no quadro deste objetivo central de desenvolvimento e de organização do território metropolitano.
Atividades como a logística, os serviços avançados, a ciência e a tecnologia, a inovação, a investigação e desenvolvimento, pela importância que têm na organização e estruturação do território, podem e devem constituir um contributo robusto para a promoção de um modelo mais equilibrado de desenvolvimento metropolitano.
A promoção de uma densa rede metropolitana de transportes públicos, de qualidade, modernos, eficientes e tendencialmente gratuitos, é também um pressuposto central seja, no imediato, para atenuar os fortes impactos da acentuada pendularidade, seja, a prazo, para se garantir esse desenvolvimento mais policêntrico.
A questão do Novo Aeroporto de Lisboa (e das infraestruturas associadas) assume, neste contexto, uma importância crucial. Não é sustentável, como pretendem PS e PSD, adiar a desativação da Portela, prolongando por décadas esta aberração anacrónica, e sem paralelo no contexto das capitais europeias, de termos o principal aeroporto do país a crescer dentro da capital. Tal representa um pesadíssimo fardo, ao nível do ambiente, da saúde e da segurança das populações.
Impõe-se, por isso, a substituição progressiva (mas definitiva) da Portela, com a construção faseada do Novo Aeroporto de Lisboa, no Campo de Tiro de Alcochete - a melhor e mais bem estudada solução de todas as que até hoje foram consideradas.
Não por acaso, só a CDU aponta, com clarividência e desde há muito, esta solução inadiável.