Intervenção de Lino Paulo

A habitação na área Metropolitana de Lisboa

Sessão «CDU na Área Metropolitana de Lisboa, intervenção e compromisso»

Caros camaradas, caros amigos.

É grande a carência de habitação na área Metropolitana de Lisboa. 

Um recente levantamento, realizado pelos municípios da AML, concluiu serem necessários cerca de 26.000 fogos (25 972) para resolver, de forma permanente, adequada e digna, o problema habitacional das famílias de mais baixos recursos. Estamos a falar daquelas para quem só o regime de renda apoiada é solução.

A estas há que acrescentar aquelas, de uma empobrecida mas ainda continuada a ser chamada classe média, a quem o programa de renda acessível será destinado. Sem quantificação precisa, para a AML, situemo-nos nas palavras do atual presidente da Câmara de Lisboa que, há quatro anos, colocava essa necessidade, só para a cidade capital, em 20.000 fogos. 

A carência de habitação não resulta de políticas municipais. Da mesma forma, por mais colaborativa que seja a ação dos municípios, não serão estes a resolver o grave problema.  

A carência de habitação resulta, antes de mais, dos baixos salários e pensões, da precariedade e da desregulamentação das relações laborais. Não podemos ignorar que, em dez anos (2010 a 2020), o custo das habitações cresceu 46% e o ganho médio de um trabalhador por conta de outrem cresceu 10,4%.

Esta é uma realidade que ganha ainda maior realce quando se fala dos problemas habitacionais dos jovens. Um recente estudo da Fundação Gulbenkian mostra-nos que a percentagem de jovens adultos (18-34 anos) a viver em casa dos pais tem vindo a aumentar de forma sustentada, atingindo os 64% em 2018. O mesmo estudo diz-nos que as famílias mais jovens registaram uma redução de riqueza líquida superior a 50% desde 2010. Claro que é carência de habitação. Mas é, sobretudo, carência de trabalho com direitos e salários justos.

A carência de habitação é ainda resultado da financeirização de todo o processo que conduz ao objetivo final de ter uma casa para habitar. É-o ao nível dos solos, das políticas de reabilitação urbana, do arrendamento, com a tristemente famosa “lei dos despejos” e, se nada mudar, com o “assalto” ao chamado regime da renda acessível. Só um forte envolvimento do capital financeiro pode justificar que, mesmo num ano – o de 2020 – fortemente dominado pela epidemia, com o consequente aumento de situações de miséria, o preço das habitações tenha subido, 8,7% no caso das usadas e 7,4% no caso das novas.  

Como é óbvio o volume de investimento do Estado na habitação é fator, não único mas essencial, para a resolução do problema da habitação. E, a este nível, a situação atual é resultado de décadas de desinvestimento e de total abandono e alienação do parque habitacional público. Refira-se que entre 2012 e 2016, Governos Passos Coelho, não houve, em Orçamento de Estado, um cêntimo para programas de renda apoiada. Pode-se afirmar que, em termos de Orçamento de Estado, a situação é hoje diferente, muito por proposta e exigência do PCP e do PEV. Mas vejamos o que se passa na realidade.

No dizer do Governo PS, há dinheiro e vão surgir casas. Nada de novo, se tivermos em conta costumeiras afirmações como a de Matos Fernandes, na altura ministro com a tutela da habitação que, em 2017, anunciou 170.000 habitações num horizonte de oito anos. Quatro anos passaram e o resultado é conhecido. Talvez por isso são mais modestas as promessas do atual ministro. Fica-se por 26.000 fogos até 2026.

E como pensa o Governo conseguir esses 26.000 fogos? Com o 1º Direito que obriga os municípios a uma comparticipação de mais de 60% do investimento? Era essa, em total negação da Lei de Bases da Habitação, a ideia inicial, de mais do que duvidosa concretização. Surge, entretanto, o Plano de Recuperação e Resiliência e, com ele, a mirífica solução: podem os municípios avançar confiantes que todo o investimento é garantido a 100% pelo PRR. E, desta maneira, nem será necessário recorrer às significativas verbas existentes em OE.

Será mesmo assim?

Voltemos ao levantamento efetuado pelos municípios da AML, referido no início. Aí verificamos que 26.000 fogos são os necessários para a AML. Ora o mesmo número figura, na proposta do Governo, para todo o país. Verificamos que o investimento necessário para a AML é de 2.097 M€ e que a verba disponibilizada no PRR, para habitação e para todo o país, é de 1.387M€. Verificamos, ainda, que a média de apoio financeiro por habitação, calculado com base no PRR, é de 46.577€, bem abaixo dos 78.043€ do custo médio calculado pela AML.

Uma conclusão surge: as promessas do Governo são isso mesmo, meras promessas. A realidade é bem diversa. 

É verdade que as verbas do PRR são importantes mas, sem forte investimento a partir do OE, as promessas do Governo não são concretizáveis. Os municípios não têm capacidade financeira, como sempre foi dito, de trabalhar com base no 1º Direito. Trabalharão sim, e certamente bem, no cumprimento da Lei de Bases da Habitação, com financiamentos garantidos pela conjugação do PRR com o OE. E, quanto ao OE, não esqueçamos, antes forcemos ao seu cumprimento, a Resolução de Conselho de Ministros (50-A/2018) em que o governo se comprometeu com dotações orçamentais para habitação de 700.000€ anuais, até 2024. Até agora é clamoroso o incumprimento.

A exigência de que o Governo cumpra com as dotações orçamentais necessárias, faz todo o sentido. Os municípios conhecem a realidade dos seus territórios. Elaboraram Estratégias e Planos Municipais de Habitação, essenciais para que o Governo elabore o Plano Nacional de Habitação. Aguardam a regulamentação da LBH para poder avançar com as Cartas Municipais de Habitação, essenciais para ligar a gestão de solos aos programas de promoção pública de habitação. Os municípios têm experiência e saber de intervenção nas áreas da habitação, da reabilitação de AUGI à reabilitação de centros urbanos. Da autoconstrução à reabilitação física e social de degradadíssimos bairros “herdados” da desresponsabilização do Estado. Os municípios não podem abandonar o cumprimento das suas competências para substituir o Estado naquilo a que a CRP e a LBH o obrigam. 

O tempo é de luta e de exigência. Saibamos, com as populações, lutar e exigir que se cumpra o preceito constitucional do direito à habitação.