Euro

Mas afinal, resumidamente, qual é o problema do euro?

O euro é uma moeda ajustada às necessidades e aos interesses da alta finança europeia, à capacidade produtiva e exportadora da Alemanha. A arquitectura do euro (moeda única, banco central europeu, programa de estabilidade e crescimento, tratado orçamental, governação económica, união bancária) prejudica o investimento e priva os estados dos instrumentos monetário, financeiro, cambial e orçamental para promover um desenvolvimento que leve em conta as realidades nacionais.

Em Portugal, o euro reduz o investimento a mínimos históricos, condiciona a actividade produtiva e o crescimento. Encarece as nossas exportações, substitui as nossas produções por importações, arruína a nossa indústria e a nossa agricultura. Promove o desemprego, a precariedade, o empobrecimento, a emigração, a desertificação. Estimula o endividamento externo, a saída de capitais e a especulação financeira. Submete o país ou à chantagem dos “mercados”, isto é dos especuladores, ou à chantagem do BCE, isto é da troika.

A libertação do país da submissão ao euro empobrece o país?

Quem o diz são os mesmos que prometiam convergência com a UE, mais crescimento económico, mais emprego e melhores salários com o euro. Mas foi tudo ao contrário.

Desde a adesão ao euro, Portugal é um dos países que menos cresce na Europa e no mundo. Produz hoje menos riqueza do que quando se introduziram as notas de euro. Quase década e meia perdida.

Em termos substanciais, dentro do euro, o país não cresce, não se desenvolve, não recupera o emprego. Libertar o país do ao euro é recusar esta sentença. É não nos conformarmos com o empobrecimento, nem com a dependência e a submissão do país.

O euro é um grande obstáculo ao desenvolvimento nacional que precisa de ser removido.

Mas o futuro do país será sempre determinado pelas políticas que se puserem em prática. Por isso o PCP articula a necessidade da preparação da saída com a proposta global de uma política patriótica e de esquerda.

Mas com a desvalorização da nova moeda não se atingiriam gravemente os salários e as pensões?

Não. Os salários e as pensões passam para a nova moeda, mas os preços também. Suponhamos que se fixa 1 escudo igual a 1 euro. Ao início, os salários e os preços ficam exactamente na mesma, só que expressos na nova moeda em vez de em euros. Nem é preciso mudar as etiquetas das mercadorias.

A desvalorização da nova moeda é em relação ao euro e às outras divisas. Ou seja, os produtos portugueses ficam mais baratos no estrangeiro, os produtos estrangeiros ficam mais caros em Portugal. Isso aumenta as exportações, substitui importações por produção nacional (em vez de substituir produção nacional por importações como dentro do euro), ajuda a nossa indústria e agricultura, estimula a nossa economia, o rendimento e o emprego.

Como os produtos estrangeiros ficam mais caros, o nível geral dos preços sobe, directa ou indirectamente, por essa via, alguma coisa. Mas em dimensão bastante inferior à da desvalorização, porque aqueles produtos representam apenas uma parte minoritária do consumo pessoal e do consumo produtivo globais do país. Os salários e pensões podem, mantendo um ganho de competitividade, ser aumentados de modo a compensar a elevação dos preços, como o PCP propõe.

A inflação não aumenta terrivelmente?

Há inflação por via do encarecimento das importações, mas em dimensão bastante inferior à da desvalorização da nova moeda. De resto a inflação anda muito baixa e o BCE anda a injectar massivamente dinheiro (com a aquisição de títulos de dívida aos bancos) a ver se a consegue aumentar. O risco actual nem é de inflação, é de deflação, que seria corrigida.

Com o incremento do investimento, libertado das restrições do pacto de estabilidade, e com o estímulo da desvalorização benigna, aumenta a produção nacional, que pode substituir parcialmente importações estrangeiras e fornecer bens e serviços para corresponder ao acréscimo dos salários e do consumo, criando emprego e travando derrapagens inflacionárias.

As famílias não perdem grande parte das suas poupanças?

As poupanças, tal como os salários e as pensões, têm que ser defendidas. Isso é ponto assente na proposta do PCP. Existem várias soluções. Até podem conservar-se em euros e só converter-se na nova moeda, ao câmbio do momento como qualquer divisa estrangeira, à medida que os donos precisem delas. Note-se que o grande grosso das poupanças é despendido no país, na sua moeda.

E o que sucede à dívida?

A dívida emitida no país é convertida para a nova moeda nacional, a dívida contraída no estrangeiro permanece na respectiva moeda.

A dívida das famílias, por exemplo no crédito à habitação, é convertida. A dívida da troika, cerca de um terço da dívida pública, mantendo-se em euros, aumenta e precisa de ser reestruturada, como propõe o PCP mesmo sem saída do euro.

A banca não vai à falência?

A banca nacional, que pode sofrer dificuldades, tem que ser intervencionada e posta sob controlo público, o que aliás é um imperativo nacional, dentro ou fora do euro. Se for necessário, pode ser financiada pelo Banco de Portugal, que estará aí para auxiliar a banca e não para asfixiá-la como fez o BCE na Grécia.

O BCE já tem intervindo com fortes cedências de liquidez ao sistema bancário português. Agora seria simplesmente o Banco de Portugal independente a fazê-lo, em vez do BCE, sem chantagens, nem condicionalidades políticas.

Haveria restrições de levantamentos bancários? E controlo de capitais?

Não haveria restrições de levantamentos na nova moeda, que é a que se passaria a usar, nem filas nos multibancos. Poderia haver pontualmente restrição de levantamento de euros aos balcões dos bancos, como actualmente com as divisas estrangeiras, mas sem dificultar as deslocações de particulares ou as aquisições das empresas no estrangeiro, com o seu próprio dinheiro.

O controlo de capitais, pelo menos transitoriamente, seria necessário, mas a sua severidade pode ser gerida. O que não se autoriza são os movimentos especulativos, a sangria de recursos sem justificação válida. Consistiria fundamentalmente no controlo dos grandes levantamentos e das transferências de divisas para o estrangeiro. O controlo público da banca facilita-o.

Não sucederia o mesmo que na Grécia?

Foi com o Euro que se assistiu à destruição de mais de um quarto da riqueza que produzia por ano, a um desemprego oficial de mais de um quarto da sua população activa (e mais de metade no caso da juventude), a um risco de pobreza de mais de um terço da população, a um corte do financiamento dos bancos pelo BCE, às filas à porta dos bancos e dos multibancos, à chantagem permanente da troika, ao impedimento da política de esquerda e da resposta às necessidades mais prementes da população, tudo isso é o retracto do que pode suceder, e de facto sucedeu, a um país periférico do euro.

O grande erro do governo grego não foi querer libertar-se do euro, foi, ao contrário, ter alimentado ilusões de que era possível eliminar a austeridade e desenvolver o país dentro do euro e não se ter preparado para se libertar dele. Uma grande lição para todos os povos europeus.

O que é preciso para libertar o país do Euro?

A melhor solução seria a dissolução organizada da União Económica e Monetária, negociando medidas compensatórias para os povos que podem ter mais dificuldades no processo. Mas Portugal não pode estar dependente nem à espera disso.

Antes de mais, é preciso vontade política. O PCP, fortemente empenhado na libertação do euro, tem três condições básicas. A determinação de um governo patriótico em assumir essa necessidade. Uma cuidadosa preparação. O respeito pela vontade popular. A defesa dos rendimentos, das poupanças e do nível de vida da generalidade da população.

A libertação da submissão ao euro resolve todos os problemas do país?

Não, mas remove um grande obstáculo. Cria melhores condições para o país efectivar as suas potencialidades, garante um financiamento de último recurso pelo banco central nacional e permite a aplicação de políticas para atacar esses problemas. A libertação da submissão ao euro não é uma condição suficiente, mas é uma condição necessária para vencer definitivamente a austeridade, consolidar uma política patriótica e de esquerda e recuperar e desenvolver o país.