Encontro com trabalhadores em regime de trabalho por turnos

Trabalho por turnos tem de ser regulado e valorizado

«Não é compreensível que os avanços científicos e tecnológicos não se traduzam numa melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, e muito menos compreensível é que aconteça exactamente o contrário», disse João Ferreira, no final de um encontro de candidatos da CDU, em Lisboa, com trabalhadores que exercem a sua actividade por turnos.

Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP e candidato da CDU, observou que «estão claramente em desenvolvimento linhas de acção que visam aumentar a exploração dos trabalhadores» e que «a pandemia foi e está a ser aproveitada para dar gás a este processo».

«Na CDU recusamos a política do Governo do PS, as suas opções, as convergências que neste domínio tem tido com o PSD e os seus sucedâneos, à direita, para degradar direitos, cortar salários ou puxá-los para baixo, acentuar a pobreza, as desigualdades e as injustiças, ao mesmo tempo que canaliza milhões e milhões de euros para engordar o pecúlio dos grupos económicos, das multinacionais», afirmou, contrapondo que «os interesses dos trabalhadores e o futuro do País exigem outro caminho».

«Aqui e agora», isso significa: «a defesa da produção nacional e da criação de emprego; o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores» e também «combater a desregulação dos horários, reduzir o horário de trabalho para as 35 horas semanais, prevenir o abuso da laboração contínua e do trabalho por turnos, evitar este regime com consequências tão penosas» e «reforçar os direitos dos trabalhadores nesta situação, nomeadamente, assegurando a concretização das propostas da CDU nesta área».

Quase o dobro em dez anos

Alma Rivera tinha começado por citar os números mais recentes, de 2019. Mais de 16 por cento dos assalariados trabalham por turnos. Serão 835 mil, dos quais mais de metade são mulheres e cerca de 11 por cento trabalham à noite. Em 2009 seriam 440 mil, ou seja, o número quase duplicou, em dez anos.

A deputada do PCP e candidata da CDU realçou que o trabalho por turnos deveria estar associado a uma natureza social, impreterível ao funcionamento da economia, mas é adoptado sem que se justifique, como no caso da produção, em laboração contínua, de batatas fritas na Matutano.

O PCP, recordou, tem colocado na ordem do dia esta questão, que foi objecto de uma das suas primeiras iniciativas nesta sessão legislativa, retomando um projecto de lei anterior, para reforçar os direitos dos trabalhadores em regime de trabalho nocturno e por turnos e para responder às mais graves consequências que este acarreta.

Testemunhos de viva voz 

Acompanhada na mesa pelos dois oradores e por Ricardo Costa, da Comissão Política do Comité Central do PCP e candidato da CDU, Ana Gusmão, do CC do PCP, deu de seguida a palavra a alguns trabalhadores, convidados a prestarem o seu testemunho.

«Tinha de deixar os meus filhos na minha sogra e ia buscá-los à uma da madrugada, para de manhã os levar à creche», relatou Helena Santana, a propósito dos seus primeiros tempos na Lojas Francas, no Aeroporto de Lisboa, onde trabalha há 20 anos. Deu conta de «muito absentismo, neste tipo de horários» e de «muito cansaço».

Com a COVID-19, «a empresa optou por pôr maior número de pessoas em horários regulares, só de manhã ou só à noite», o que teve reflexos positivos. Mas não isso não sucedeu noutras empresas em serviço no aeroporto, como na área da segurança.

Gastrites, problemas cardíacos, fadiga crónica, sono (que «nunca se consegue recuperar») e comportamentos de adição (álcool ou estupefacientes) ocorrem entre quem trabalha, numa ETAR da Águas do Tejo Atlântico, cumprindo turnos manhã-tarde-noite, como, há 30 anos, Fernando Lourenço.

No seu testemunho, referiu também «problemas na nossa vida familiar e social, seja a acompanhar o crescimento dos filhos, seja pelos muitos anos sem estarmos nas festas de Natal e Ano Novo, nos aniversários, nos encontros com amigos ao fim-de-semana».

Trabalhadora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, há 25 anos na área social e da educação, 16 dos quais em trabalho por turnos, com crianças e jovens em risco, Catarina Canudo salientou que, «já de si, este trabalho é difícil, e sendo por turnos, ainda se agrava mais». Focando as «falsas folgas», explicou que, num turno da noite, «sai-se às oito da manhã e o dia é considerado uma folga, quando já se trabalhou oito horas neste dia!».

Na Carris, «há serviços em que estamos a almoçar por volta das oito, oito e meia, porque pegamos às três, quatro da manhã», ilustrou Ricardo Alves, trabalhador da transportadora há 23 anos. Por falta de pessoal, «não há horários, não há folgas, e, com a epidemia, com tanta gente de baixa, ainda é pior». 

Na TAP «houve muitos despedimentos», «estamos cansados, sobrecarregados, andamos a fazer muitos voos, com muitos dias de trabalho, com muitas ausências em casa», como descreveu Marta Silva Santos, tripulante de cabine há 20 anos, mais de metade no longo curso. Desmentiu quem imagina que esta seja «uma profissão glamorosa»: «Temos de dormir quando não apetece e temos de estar para a família, quando o que apetece é dormir».