“De que cor é o mar?”

Rita Rato
 

Rita Rato


Perguntava o Dinis.
Daniel, Dinis e David são três irmãos que vivem numa pequena aldeia no Alentejo. Não naquele interior profundo, perdido na planície, quase na fronteira. Não, a casa deles é a 170 km de Lisboa, a 2 horas de caminho.
A mãe, uma jovem de 29 anos, era operária agrícola na vinha, monocultura que “invadiu” os campos no Alentejo, mas de há um ano para cá trocou a violência dos invernos gelados, e o calor sufocante dos verões, por auxiliar de apoio à terceira idade num lar. Trabalha por turnos, de sábado a sábado, e folga um dia por semana rotativamente. Recebe pouco mais que o salário mínimo, mas pelo menos tem trabalho.
O pai, um jovem de 33 anos, é servente numa pequena empresa de construção civil, que lá vai resistindo à crise e arranjando trabalho quando o há. Não terminou o 6° ano de escolaridade e começou a trabalhar muito cedo.
O empréstimo da casa e do carro para pagar todos os meses e 5 bocas para alimentar obrigam a uma ginástica orçamental.
Para ganhar mais algum, e porque o trabalho ameaça escassear, o pai não tem férias, e a mãe nos dias que vai ter, vai aproveitar para trabalhar no campo para ajudar a pagar as despesas.

Esta estória é igual a tantas outras que grassam de norte a sul do país e ilhas. Tentando trocar as voltas à dureza da vida, e às dificuldades que teimam em não abalar, são milhares os trabalhadores portugueses, em especial jovens, que não gozam férias e trabalham quase os 365 dias do ano.
E mesmo assim, trabalhando quase de sol a sol, o dinheiro que amealham não chega para o que é preciso. E ai de quem fica doente e tem que ir ao médico, isto estraga logo o orçamento planeado ao cêntimo e não fossem as ajudas da família e havia muita gente que só lá ia com mezinhas.
E ainda por cima as férias calham logo no mês antes da escola começar! Que o mesmo é dizer que é melhor ir contando com umas largas dezenas de euros a abrir o mês, e não se comece a fazer contas…
Mas volta e meia em horário nobre, quase mais parecendo páginas televisivas das revistas cor-de-rosa, aparecem “pérolas”jornalísticas sobre destinos de sonho em hotéis de 5 estrelas, e com o remate final que os portugueses “não têm não têm, mas lá vão para o estrangeiro de férias seja Carnaval, Páscoa ou Verão”. Mas que portugueses são estes? Não são certamente os que aproveitam o subsídio de férias para ir ao oftalmologista e trocar as lentes dos óculos, comprar um frigorífico melhor, ir ao dentista ou pagar o seguro do carro.
Para além daqueles que justamente usufruem deste direito, outros há que prolongam nas férias a vida luxuosa que têm durante o ano. São aqueles que amealharam no último ano milhões de euros de lucro à custa da exploração do trabalho dos que não têm férias. São aqueles que estão contentes com o Sr. Engenheiro Sócrates e lhe desejam muitos anos de vida a governar Portugal. São aqueles que não lhes faz “comichão” nenhuma a revisão da Constituição, e lhes agrada que a Gripe A chegue cá depressa para “despachar” mais uns postos de trabalho.
   
Daniel, o mais velho já tem o computador Magalhães, facilitada a aquisição com o escalão A da acção social escolar, sonha um dia ser jogador de futebol. Dinis quer ser marinheiro porque assim viajará muito e saberá qual a cor do mar. David ainda brinca com a bola das cores primárias e sorri com os pintainhos. Hão-de ter férias um dia, e levarão os filhos a ver o mar.