Dívida

O problema é a dívida pública ou é a dívida externa?

São as duas, que aliás se sobrepõem largamente. Uma e outra representam a perda anual massiva, sob a forma de juros, de valiosos recursos que o Estado e o país poderiam e deveriam aproveitar para o desenvolvimento, ambas representam, em grande medida, transferência de riqueza da população para o capital financeiro e especulativo, do país para o estrangeiro.

Sem renegociação da dívida, Portugal pagará, só em juros, nos sete anos até 2020, perto de sessenta mil milhões de euros, grosso modo o triplo do que chegará ao país, no mesmo período, em fundos estruturais da UE.

Do facto de a dívida externa líquida do país ser constituída sobretudo pela componente externa da dívida pública, resulta que reestruturar em profundidade a dívida pública é, simultaneamente, reestruturar em profundidade a dívida externa.

Não se deve tentar pagar a dívida?

A dívida pública é impagável, reproduz-se de ano para ano e, sem renegociação, não é possível diminuí-la substancialmente. Pelo contrário, se as taxas de juro voltarem a subir significativamente, a dívida, que é estruturalmente insustentável, retoma uma dinâmica incontrolável de crescimento.

Em 2015, Portugal prevê pagar quase 9 mil milhões de euros em juros da dívida pública. Faz algum sentido andar a gastar anualmente em juros mais do que o governo gasta com a saúde ou com a educação dos portugueses, para chegar ao final de cada ano e constatar que a dívida ficou aproximadamente na mesma, quando não aumentou?

A dívida pública é um poço sem fundo e o seu serviço uma irracionalidade. A renegociação é necessária para pôr termo a este absurdo e para libertar recursos do pagamento da dívida para o investimento e o gasto social públicos.

A dívida pública é ilegítima? E é legítimo reestruturá-la?

O PCP propôs várias vezes na Assembleia da República, e insiste de novo, o apuramento formal da origem da dívida, dos credores atuais e da perspetiva da sua evolução. Entre outras informações fundamentais, esse apuramento revelará, com rigor, a dimensão das eventuais componentes ilegítima, ilegal ou odiosa da dívida pública portuguesa.

Que a dívida, uma das maiores do mundo, é insustentável é uma evidência. E, por isso, a sua renegociação, mais do que legítima, é uma verdadeira necessidade. Mas ainda recentemente, no passado dia 10 deste mês, a própria Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, por esmagadora maioria, uma resolução, não vinculativa mas de referência internacional, que afirma explicitamente o direito, “que não deve ser frustrado ou impedido por qualquer medida abusiva”, dos Estados, no âmbito da sua política macroeconómica, reestruturarem as suas dívidas.

Renegociação ou reestruturação?

Muitos utilizam como sinónimos. O PCP defende a renegociação, a reestruturação e a redução da dívida pública. Uma nova negociação com os credores, que reestruture as condições de pagamento e reduza nominalmente os montantes devidos. Sintetizada na fórmula: renegociação da dívida nos prazos, juros e montantes.

O PCP propõe um corte com os credores?

Não. O PCP pretende um corte no valor da dívida e do seu serviço (uma reestruturação nos prazos, juros e montantes) e, para isso, propõe que o país negocie com os credores.

E se os credores não aceitarem renegociar?

Têm muito a perder, porque a reestruturação da dívida, necessidade profunda do país, é inevitável e o pagamento, ainda que unilateralmente, seria suspenso.

E as retaliações? Se nos fecham o acesso aos mercados financeiros?

Há já um longuíssimo historial de reestruturações da dívida no mundo, algumas bastantes profundas, sem que os países, salvo em algumas situações transitórias, percam esse acesso.

De qualquer modo, o abate parcial da dívida e o alongamento dos prazos (ou a suspensão do pagamento) diminui substancialmente a necessidade e a pressão do refinanciamento. As taxas de juros de novos empréstimos dependem muito da situação internacional e, no que possa depender do país, reagem favoravelmente à redinamização económica, ajudada pela renegociação.

A renegociação da dívida é a única fonte de financiamento das medidas do programa eleitoral do PCP?

Não, há várias outras, como por exemplo as receitas do crescimento económico, a reforma fiscal (que alivia a carga fiscal da população e agrava a das grandes fortunas, do capital financeiro e das grandes empresas), a redução das despesas supérfluas (como na contratação externa de estudos e serviços) e o termo de contratos ruinosos do Estado (como nas PPPs). O reforço da segurança social pública também conta com numerosas medidas específicas geradoras de receitas.

Mas é verdade que a renegociação da dívida é uma componente importante. A sua concretização permitiria libertar milhares de milhões de euros para financiar o investimento público e a despesa social do Estado.

É suficiente a renegociação da dívida?

De maneira nenhuma. A renegociação é necessária para remover um dos mais poderosos constrangimentos do desenvolvimento do país, o desvio de avultados recursos públicos (nomeadamente para o estrangeiro e para o capital financeiro) que fazem falta ao gasto público. Mas há outras componentes imprescindíveis para suportar a construção de uma alternativa patriótica e de esquerda.

Além disso, não basta combater o endividamento, é necessário combater as causas do endividamento. O abandono do aparelho produtivo, o esmagamento do mercado interno, as privatizações, a financeirização da economia, os apoios à banca, o favorecimento do grande capital e da especulação financeira, a submissão às imposições da UE e a adesão ao euro.

Muito especialmente, a libertação do euro, que contribuiu para a degradação do aparelho produtivo e a substituição de produção nacional por importações, que estimulou o endividamento no estrangeiro e a especulação com os títulos de dívida.