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Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, Sobre “O Mundo Rural”

Sobre “O Mundo Rural” - Intervenção de Jerónimo de Sousa

As minhas mais cordiais saudações a todos vós.

As consequências de trinta e cinco anos de políticas de direita estão bem visíveis na agricultura e no mundo rural.

Hoje estamos aqui em Tondela, no distrito de Viseu, região com óptimas condições para a produção agrícola. De vinho do Dão, de Lafões, do Tàvora ou do Douro. De batata. De carne. De queijo. De fruta. De produtos da floresta. E no entanto a que é que assistimos?

Nos últimos anos encerraram explorações e os campos ficam ao abandono. Os agricultores envelhecem. As aldeias ficam vazias. Perde-se um imenso potencial de produção. E mesmo os agricultores que resistem, aqueles que teimam em não querer ver as suas terras por amanhar, ganham menos hoje do que ganhavam ontem, quando não têm prejuízos.

É este o retrato da nossa agricultura, fruto de políticas dos sucessivos governos que distribuem apoios pelos grandes agrários e reservam umas migalhas para a agricultura familiar. É esta a dramática realidade, consequência da implementação em Portugal da Política Agrícola Comum sem ter em conta as especificidades do nosso país e, designadamente, da região do minifúndio.

Durante anos pagaram para arrancar vinha. Pagaram para arrancar olival. Pagaram aos grandes sem ser preciso produzir um grama sequer de alimentos. Desmantelaram os serviços do Ministério da Agricultura. Liberalizaram o comércio de produtos agrícolas, encharcando o nosso mercado com produtos que chegam, todos os dias, às toneladas, de Espanha, de França, da Alemanha, da Polónia e não só da Europa, mas de todos os países para onde os grandes da União Europeia querem exportar maquinaria, produção industrial e serviços. Introduziram a Agricultura na Organização Comum de Mercados, como se a actividade agrícola fosse um negócio como outro qualquer e não uma actividade essencial à sobrevivência da humanidade.

Hoje ouvimos muita gente a dizer que é preciso virarmo-nos para a agricultura. Exactamente os mesmos que, durante anos, tudo fizeram para encerrar explorações, com o célebre argumento da competitividade, vêm agora com lágrimas de crocodilo, chorar sobre aquilo que destruíram.

Ainda haveremos de ouvir dizer os que encerraram o Matadouro de Viseu, contra os avisos e os protestos dos agricultores, do PCP e da CDU, que o querem aberto e que sempre acharam mal esse crime para a pecuária da região.

Ora estas realidades não caíram do céu. As nossas terras não têm nenhuma praga que as tenha deixado inférteis. Os animais não desapareceram de doença maligna! Tudo isso tem causas e tem responsáveis.

As causas residem numa política que apoia os grandes agrários e a agro-indústria e que está bem visível na actual execução do PRODER.

Já se sabia que 5% dos agricultores do nosso país recebem cerca de 90% das ajudas directas ao rendimento. Sabemos agora que pouco mais de três dezenas projectos (os chamados Projectos de Interesse Relevante) recebem 10 vezes mais do PRODER do que 980 pequenos investimentos. É um escândalo!

As causas residem numa política de subserviência cega aos ditames da União Europeia, como é agora bem visível na questão das quotas leiteiras. Milhares de produtores de leite estão com a corda na garganta, incapazes de fazer face aos encargos das suas produções. Com o fim, anunciado e aprovado pelo PS e PSD, das quotas leiteiras tudo se agravará com a entrada em Portugal de milhares de toneladas de leite excedentes na União Europeia. Um sector onde somos auto-suficientes está assim prestes a colapsar por completo. E estas políticas têm responsáveis. Por muito que agora se digam amigos dos agricultores, a verdade é que PS, PSD e CDS, são os responsáveis, juntos ou à vez, pelas ruinosas reformas da PAC e pelas opções nacionais que em cada momento tomaram.

O que é que se exige então? Num país que tanto pode produzir e que todos os anos tem um défice da balança alimentar externa a tender para os 4 mil milhões de euros - ou seja compramos ao estrangeiro mais 4 mil milhões de euros do que vendemos em produtos alimentares. O que é preciso é garantir os preços compensadores à produção, se os agricultores receberem um preço justo, lançarão as sementes à terra e cuidarão das suas produções.

O que é preciso é impedir a especulação com os preços dos factores de produção – adubos, rações, combustíveis, sementes, fito-fármacos, maquinaria.

O que é preciso é controlar os milhares de toneladas de alimentos que entram por essas fronteiras e que arruínam a agricultura nacional.

O que é preciso é impedir que as grandes cadeias de distribuição engordem à conta dos produtores com margens de lucro abusivas e com prazos de pagamento insuportáveis.

O que é preciso é a redistribuição das ajudas, ligando-as à produção e garantindo um rendimento justo aos pequenos e médios agricultores.

O que é preciso é reprogramar o PRODER, por forma a dar prioridade ao apoio aos projectos da agricultura familiar e dos pequenos e médios agricultores, à produção nacional e ao consumo interno.

O que é preciso é impedir que avancem medidas ruinosas de desregulamentação, no quadro da PAC, como o fim das quotas leiteiras e dos direitos de plantação da vinha.

O que é preciso é combater as medidas que a troika do PS, PSD e CDS querem implementar, a mando do FMI e da União Europeia, de encerrar ainda mais serviços públicos – escolas, centros de saúde, repartições de finanças, transportes públicos, Câmaras e Freguesias, dando mais uma machadada no nosso mundo rural.

Estando aqui, no distrito de Viseu, terra das melhores tradições da gestão e usufruto dos baldios pelos povos, não podemos deixar de chamar a atenção para a ofensiva que, contra esta forma peculiar de propriedade, está a avançar. Não são só as declarações do Secretário de Estado das Florestas que anuncia, mesmo em gestão, medidas para mexer na lei dos baldios. Agora é também o conteúdo do pacto de submissão que inclui a privatização de património das autarquias. Ora sabendo o apetite que os baldios sempre provocaram em muita gente, estamos já a ver por onde é que eles podem querer começar, ainda que nada disso seja deles.

Os baldios, propriedade comunitária consagrada na Constituição da República, têm provas dadas. Desde o 25 de Abril, os baldios, as suas Assembleias de Compartes e os Conselhos Directivos têm desenvolvido uma obra notável.

Caminhos, lavadouros, muros, espaços de convívio e lazer - a obra dos baldios aí está para ser vista. A lei existente não impediu o seu desenvolvimento. O que impediu foram os constantes entraves colocados pelos Governos que, por exemplo, não apoiou nem concluiu a constituição de nenhum grupo de baldios.

Dia 5 de Junho é dia para defender os baldios. É dia para defender a pequena agricultura e a agricultura familiar. É dia de defender a soberania e a segurança alimentar do nosso país. É dia ligar a luta ao voto e mudar de rumo!

Pela gravidade da situação permitam-me mais duas palavras sobre o acordo desta semana do governo com o FMI e União Europeia e com o apoio e adesão do PSD e CDS e ao qual muito justamente nós chamamos pacto de submissão. Um pacto de uma exigência desmedida contra o povo e contra o país e que nos vai levar ainda mais para o fundo.

Um pacto que entrega a entidades internacionais, sem dignidade e brio patriótico, a decisão e condução da nossa vida colectiva e a definição sobre o futuro do país. Fizeram-no antecipando a decisão e o voto do povo português. Fizeram-no de forma ilegítima com um governo com poderes limitados a meras funções de gestão e com Assembleia da República dissolvida.

Não há desculpa! Alguns dizem que o fizeram porque o país não tinha já dinheiro para pagar as suas obrigações. Falam como se o país não tivesse já condições para se financiar no mercado, como se ninguém já lhe emprestasse se precisasse, quando toda a gente viu que foram os grandes banqueiros que o impuseram para seu proveito. Ou como se não fosse possível utilizar uma parte dos mais de 50 mil milhões de euros de valores sobre o estrangeiro na posse do país, para acudir a uma necessidade se ela realmente existisse.

Não havia pressa, nem havia necessidade! Antes de decidirem, o povo devia ser ouvido! Porque não há só uma solução para os problemas financeiros do país. Não havia apenas a solução desastrosa da intervenção externa do FMI e da União Europeia imposta pelos banqueiros a quem esta solução serve. Havia e há outras soluções, como a do pedido de reestruturação da dívida e que, a nosso ver, é o que melhor serve o país e não hipoteca o seu futuro. Os que aceitaram este pacto sabem que o que lá está é muito grave!

O que lá está é um ataque brutal ao poder de compra do povo que vai ter consequências graves em toda a economia do país e que se vai traduzir em mais recessão, mais desemprego e mais falências, mais dificuldades para as actividades que vivem para o mercado interno, como a agricultura.

O que lá está são mais impostos, do IVA, do IRS, IMI, de Taxas várias, aumentando o sufoco das camadas populares. Só no IVA, meus amigos, poderemos contar com um duro golpe para as vossas explorações. Se aumentarem o IVA de 6% para 13% e de 13% para 23% como já se admite em muitos bens alimentares, está mesmo a ver-se quem é que vai pagar. Sois vós, é o vosso esforço, é o vosso suor!

O que lá está são mais aumentos de preços dos factores de produção, dos combustíveis à energia e dos transportes.

O que lá está são novos cortes nos serviços de saúde e o aumento das taxas moderadoras e dos custos da saúde para os utentes.
O que lá está é o congelamento das pensões, mesmo das mais baixas penalizando também aqui o mundo rural.

O que lá está é a venda ao desbarato do património do país que nos vai deixar mais na mão do estrangeiro e dos grandes grupos económicos que irão no futuro impor os seus preços leoninos aos consumidores e às actividades produtivas. Sacrifícios e mais sacrifícios que não vão resolver qualquer problema do país.

O PS, PSD e CDS cada um à sua maneira vieram dizer que este programa era um bom acordo.
Mas um bom acordo para quem? Para o povo? Para o povo não! Apenas para os banqueiros, para os grandes grupos económicos! São eles que são os beneficiários directos e o destino desses 78 mil milhões de euros do dito empréstimo que só acrescentará mais endividamento e mais sacrifícios.

Directamente e desde logo para os cofres da banca vão 12 mil milhões de euros e a parte mais significativa nem sequer entrará no país indo directamente para os bolsos daqueles que especulam com a dívida nacional e que do que puder sobrar, mais de 35 mil milhões estão apresentados como garantia do Estado para os bancos.

Dizem que é um programa de ajuda, mas na realidade é um programa de extorsão que vai comportar um sufoco em juros que atingirão dezenas de milhar de milhões de euros, conduzindo o país a uma situação insustentável. É para aplicar este brutal programa de austeridade e de declínio nacional que falam da necessidade de um governo forte com os vários partidos que têm estado no poder e que levaram o país à ruína.

Um governo forte para quê? Nós sabemos para o que é. Forte para bater em quem trabalha, nos agricultores, nos pequenos interesses, mas fraco para resolver os problemas do país. Nós não precisamos de governos fortes para amordaçar o povo, nós precisamos de um governo para resolver os problemas e nos libertar da sujeição que nos querem impor.

Perante o anúncio destas medidas, o povo português tem o direito de rejeitar aquilo que foi forjado e imposto pelo conluio entre o FMI, a União Europeia, o PS, o PSD e o CDS-PP.
Um direito e um dever que nas eleições em 5 de Junho deve ser transformado em oportunidade de dizer Não!

Portugal não pode ficar preso e eternamente dependente daqueles que são responsáveis pela crise e o afundamento do país.

É tempo de mudar! É tempo de procurar novas soluções para o país com a CDU e o seu reforço! Está nas mãos dos portugueses dar a volta a esta situação, votando bem, votando CDU, no próximo dia 5 de Junho!

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