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Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Lisboa

Sessão Pública sobre “Uma efectiva democracia cultural” - Intervenção de Jerónimo de Sousa

Estamos a travar uma batalha eleitoral que assume no quadro da grave crise em que o país se encontra uma redobrada e particular importância.
Uma batalha eleitoral realizada num quadro de grande pressão e chantagem sobre os portugueses e num momento em que o país está confrontado com a real ameaça de ver amputado o seu direito de decidir soberanamente sobre o seu próprio futuro.

Uma situação criada em resultado de um inqualificável acto de submissão dos que têm assumido as maiores responsabilidades no país de entregar ao FMI e aos seus parceiros da União Europeia a definição das políticas nacionais para os próximos anos, na base de um Pacto cuja natureza e conteúdo tem consequências dramáticas para o futuro do país e para a vida dos portugueses.

Um pacto com impactos muito negativos em todos os domínios da nossa vida colectiva, dos direitos dos trabalhadores às condições de vida das populações; da política fiscal às políticas sociais; do reordenamento da Administração Central à reorganização do poder local e regional e ao seu papel nas políticas de desenvolvimento; do sistema financeiro, o grande beneficiário deste pacto de submissão assumido pelo PS, PSD e CDS à gestão e alienação do património público empresarial, regional e municipal; das políticas para os sectores da saúde à educação e à cultura.
Um verdadeiro programa de governo imposto do exterior e que a troika dos partidos da política de direita assumem como seu, ao mesmo tempo que competem entre si pela liderança da sua aplicação.

Um programa que não só aprofunda as políticas de drástica austeridade mais recentes dos PEC, como constitui um salto qualitativo na ofensiva da política que golpeia os direitos e interesses do povo e do país.
É hoje inquestionável que nos encontramos à beira de um desastre ao qual fomos conduzidos por uma política que desde há cerca de 35 anos vira as costas à Constituição da República Portuguesa.

A CRP é uma plataforma jurídico-política que legitimou e consagrou a revolução portuguesa.

Ela continha um projecto de sociedade democrática apontado ao socialismo. Embora desfigurada por sucessivas revisões, a Constituição mantém sinais desse projecto e sobretudo não o impede, antes permite acolher aquilo que constitui a proposta fundamental para a etapa actual que fazemos aos portugueses, a de uma democracia avançada, uma democracia política que não é exclusivamente representativa, porque é também participativa e, por outro lado, não é exclusivamente política, mas é também económica, social e cultural.

A CRP acolhe portanto a ideia de que há direitos que não são estritamente políticos e individuais, mas também direitos que são simultaneamente individuais e colectivos e que, para serem efectivamente exercidos, implicam a protecção activa do estado através da realização de determinadas políticas e da tomada de discriminações positivas em favor dos titulares desses direitos, que são mais desfavorecidos.

É o caso dos direitos sociais e culturais, o direito à saúde, à segurança social, à educação e à cultura.

Significa isto que os trabalhadores têm direito à educação e à cultura enquanto indivíduos, socialmente determinados.

O facto de serem trabalhadores isso torna-os em merecedores de discriminações positivas para poderem exercer, por exemplo, o seu direito à cultura.

Por outro lado, o direito à educação e à cultura é simultaneamente um direito dos trabalhadores portugueses e a sua efectivação é um dever, um dever democrático e de soberania do estado português.

Um dos escândalos acerca da agressão e ingerência da troika do FMI/BCE/UE é a insuportável pretensão de forçar uma revisão da Constituição. Como é que essa gente se arroga o direito a emitir orientações não tendo sido eleitos pelos portugueses e não dispondo de poderes constituintes.

O pacto de submissão que querem impor ao povo português não só representa um ataque à nossa soberania, mas esconde mal a parcialidade em favor do grande capital e contra os direitos dos trabalhadores.

Por isso nós temos dito que é necessário uma ruptura clara com esta política de direita e a formação de um governo patriótico e de esquerda.

Patriótico, porque recusa ser conivente com o pacto de submissão imposto pela Troika estrangeira e acordado pela troika dita “nacional” (PS, PSD e CDS). Porque compreende a soberania nacional como um dos aspectos da soberania dos trabalhadores.

E de esquerda, porque, fiéis a Abril e à nossa condição de partido dos trabalhadores portugueses, projectamos, para o nosso presente e para o nosso futuro, a ideia da emancipação revolucionária dos trabalhadores que passa pela luta por uma democracia avançada, concebida como uma democracia simultaneamente política, económica, social e cultural, combinada com a soberania nacional.

É nesta concepção que se fundamenta o nosso discurso sobre a cultura e ela permite compreender que esse não é um mero discurso de propaganda ou uma florida manobra táctica.

Essa concepção é para nós de natureza estratégica. Está ligada ao coração mesmo da nossa identidade quando defendemos o direito do povo português à cultura, quando dizemos que a satisfação desse direito exige que o Estado prossiga consequentemente uma política de efectiva democratização da cultura a nossa voz é a voz de centenas de milhares de trabalhadores portugueses a quem esse direito tem sido historicamente recusado.

Esta é uma reivindicação antiga do movimento operário português e mundial, que nasce da experiência histórica das nossas vidas, da consciência que vamos tendo do imprescindível papel do conhecimento científico e da criação artística para a humanização da vida.

Quando ao longo da própria luta nos encontramos com os exemplos concretos da intervenção da ciência no desenvolvimento humano e da criação de formas artísticas de ver, sentir e imaginar o mundo, nós passamos de uma constatação da necessidade para a afirmação de um objectivo de luta.

Na situação concreta em que nos encontramos, a recusa na prática do direito à educação e à cultura impede muitos dos jovens das classes trabalhadoras de atingirem os mais elevados graus de ensino e, mantem-nos, no fundo, prisioneiros de um processo que drasticamente os afasta da escola e das artes.

A ausência de uma política de democratização da cultura soma-se às limitações reais e directas, impostas ao direito ao trabalho.

A falta de apoio à criação cultural não traduz apenas a desresponsabilização do Estado perante as suas funções culturais, traduz-se também na degradação das condições de trabalho dos trabalhadores da cultura e sobretudo dos jovens.

Hoje, temos de fazer um balanço devastador das condições do trabalho intelectual em geral e do trabalho artístico e cultural, em especial: Os trabalhadores intelectuais são em certas profissões, participantes imprescindíveis do trabalho artístico, criador e da acção de intermediação cultural. Para caracterizar a sua situação actual, observamos que se mantém uma tendência:

de assalariamento, mas também para o aparecimento de quadros de diferenciação e de dependência funcional dentro de uma mesma profissão;

de crescimento do desemprego nas profissões intelectuais, particularmente entre os jovens licenciados à procura do primeiro emprego;

de precarização generalizada da prestação de trabalho, atingindo sectores que, com o 25 de Abril, tinham alcançado estabilidade de emprego e condições de progressão profissional.

Com isto está criada uma situação que, por um lado, é de desaproveitamento crescente do potencial técnico, científico e intelectual existente em geral, e por outro lado é uma situação de bloqueio das perspectivas de realização profissional dos jovens, nas áreas da criação artística e científica para as quais adquiriram qualificações.

Este quadro que lesa direitos e expectativas representa também a lesão de sectores de actividade de interesse nacional e, do mesmo golpe, constitui uma forma de comprimir a autonomia relativa do trabalho intelectual, e de, por essa via, tentar manter na sua dependência político-ideológica os trabalhadores intelectuais, neutralizá-los, prevenir ou abafar a sua resistência.

Conhecemos além do mais as consequências em termos culturais da tentativa de reduzir cada vez mais essa autonomia relativa.

Trata-se de impor um trabalho estreitamente dependente dos múltiplos centros de poder que deviam assegurar a realização do seu trabalho sem pressões. Depois, trata-se de transformar a dependência em obediência.

O PCP luta por objectivos imediatos e concretos, mas faz parte da sua experiência histórica e da sua identidade enquanto partido que essa luta não nos tolha nem a visão nem a prossecução dos nossos objectivos de construir o socialismo.

Um dos princípios da nossa concepção humanista é a ideia de que o desenvolvimento de cada um e o desenvolvimento de todos se potenciam mutuamente. É por isso e creio que podeis compreendê-lo que quando hoje lutamos ao mesmo tempo pela libertação dos artistas e pelo acesso de todos às artes, estamos a travar uma luta concreta que irá abrindo os caminhos para aquela terra sem amos que não esquecemos na nossa luta diária.

Nós vamos para estas eleições afirmando convictamente que os portugueses não estão condenados a ter que aceitar a saída daqueles que até hoje conduziram o país para o desastre social, económico e cultural.

Há soluções e políticas alternativas capazes de dar resposta não apenas aos problemas financeiros imediatos que não sejam as da rendição aos banqueiros, aos especuladores e espoliadores, mas também para os grandes problemas do desenvolvimento e do futuro do país.

Aos programas de austeridade, instrumentos do grande capital de transferência da crise para os povos, contrapomos a imediata renegociação da dívida pública. Renegociação que implica necessariamente a recusa deste miserável Pacto e das medidas acordadas entre Troika da ingerência e da extorsão e troika nacional dos partidos da submissão.

Quando ainda ninguém falava em tal coisa e o PCP propunha a renegociação da dívida fomos olhados de soslaio e não tardou que inclusive e, como é costume, se deturpasse o que verdadeiramente significava a nossa proposta. Veja-se que ainda hoje o actual primeiro-ministro demissionário anda deliberadamente a deturpar o conteúdo e sentido da nossa proposta, atribuindo-nos a ideia do não pagamento absoluto e imediato da dívida, para depois acenar com o banimento dos mercados.

Mas porque é que também há tanta resistência por parte da União Europeia, dos partidos da banca e dos banqueiros portugueses e seus porta vozes em aceitar a reestruturação da dívida quando é uma evidência, como o atesta o caso grego, de que a reestruturação é inevitável?

Porque se pretende ganhar tempo. Ganhar tempo para que os bancos detentores dos títulos da dívida dos países periféricos se desfaçam destas como já o estão a fazer. Ganhar tempo para que a reestruturação só se faça em 2013 (depois das eleições na França e na Alemanha) e depois da entrada em vigor do novo Mecanismo Europeu. Então a renegociação já não será com os bancos, mas sim com os Estados, numa situação de muito maior fragilidade e a factura cairá não sobre os accionistas que engordam à custa de taxas de juro agiotas, mas sobre os contribuintes.

Repetimos e sublinhamos: havia e há alternativas ao roubo que se está a concretizar contra o nosso povo e o país.

Como há alternativa à recessão económica, à dependência externa e ao aumento do desemprego, com a aposta na produção nacional, na dinamização do nosso aparelho produtivo.

Produzindo mais criamos mais riqueza, mais emprego e até mais recursos para fazer face à dívida e ao défice orçamental.

Uma alternativa capaz de garantir o aumento dos rendimentos do trabalho; o reforço do investimento público e o alargamento dos serviços; o fim das privatizações e a recuperação pelo Estado do controlo estratégico da economia; a reforma do sistema fiscal e a defesa dos interesses nacionais no plano externo visando a recuperação da soberania económica e orçamental.

As próximas eleições legislativas constituem um momento e uma oportunidade única para dar resposta aos problemas do país e travar o perigoso e inquietante declínio nacional.

Por isso nos dirigimos a todos os portugueses, a todos os sectores sociais anti-monopolistas, aos patriotas, aos democratas e personalidades independentes que querem outro rumo para o país para que, pela sua luta e pelo seu voto na CDU, abram caminho a uma politica patriótica e de esquerda.

O voto na força cujo reforço eleitoral e político pode pôr fim ao círculo vicioso do rotativismo da alternância sem alternativa e abrir portas a uma vida nova de progresso e desenvolvimento para os portugueses.
O voto na grande força de esquerda que pelo seu percurso e acção dá segurança e garantia de uma política de verdade, sempre presente e solidária com a luta em defesa dos direitos e aspirações das populações, dos trabalhadores e do povo.

A grande força estreitamente ligada e identificada com as aspirações populares a uma vida melhor, com a defesa das conquistas e direitos que Abril consagrou e de uma firme e corajosa denúncia e combate às injustiças e as desigualdades.

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